O Empreendedorismo é capaz de transformar vidas e no caso de um judeu alemão que se refugiou no Brasil não foi diferente.
Antes do início da 2ª Guerra, os judeus na Alemanha sofreram grandes perseguições. Em um dos momentos mais delicados, as autoridades locais agiram duramente em uma noite em que casas e lojas de famílias judaicas foram destruídas. Além de perderem suas propriedades, alguns judeus também perderam a vida, num terrível evento que ficou conhecido como a Noite dos Cristais, no ano de 1938.
O evento fez com que a família Stern deixasse a Alemanha, com medo de sofrer ainda mais perdas do que sofreram naquela noite. Foi assim, que a família judaica decidiu rumar para o Rio de Janeiro, com apenas 10 marcos alemães nos bolsos, algumas roupas e algumas enciclopédias.
Ali estava o jovem Hans Stern, então com 16 anos; junto a seus pais.
Sem perspectivas, Hans chegou na Baía de Guanabara pensando apenas em sobreviver. E de pronto, recorreu ao comércio para tentar garantir as primeiras refeições.
Foi assim que ele passou a vendas as enciclopédias trazidas pela família. Batendo de porta em porta, ele conseguiu levantar os primeiros recursos para a subsistência da família.
As enciclopédias deram o pontapé para o comércio de outros produtos. Enquanto isso, seu pai, conseguiu um emprego em uma usina hidrelétrica no Piauí. Deixando o filho seguir seu caminho no Rio de Janeiro.
Aos 17 anos, Hans começou a trabalhar em uma casa filatélica e nos anos seguintes trabalhou como datilógrafo em uma empresa exportadora de cristais e pedras preciosas. A oportunidade trabalho, lhe abriu os olhos para novos horizontes.
Apesar de estar sempre ocupado com o trabalho de datilógrafo, Stern passou a prestar atenção em como a atividade comercial de pedras ocorria. E assim, aos poucos ele se tornou absolutamente fascinado pelo negócio, que movimentava uma grande quantia de dinheiro e mexia com o imaginário das pessoas.
Atento, Hans ascendeu dentro da empresa e passou a trabalhar como responsável pela compra e venda das pedras da companhia. O trabalho exigia esforço e dedicação, e além disso, ele viajava por várias regiões do país em busca de bons fornecedores, que estavam principalmente no Estado de Minas Gerais. Assim, em pouco tempo ele aprendeu a identificar oportunidades e dominou a arte da compra e venda das preciosidades.
Em 1945, ele já tinha uma vida estável e decidiu comprar um acordeão alemão da marca Hohner, encomendado direto de sua terra natal. Percebendo uma oportunidade grande, Hans vendeu o instrumento por cerca de 200 dólares.
Junto a essa operação de compra e venda, ele reuniu suas economias e decidiu abrir seu próprio escritório de compra e venda de pedras preciosas.
O início foi tímido e ele usava um pequeno sobrado na cidade do Rio de Janeiro. Com poucos recursos, Hans usou a criatividade e apostou em pedras com menor valor percebido, que recebiam o nome de semi joias. Essas peças se notabilizavam principalmente por suas cores, como as pedras ametista, turmalina e topázio.
As pedras que são predominantemente brasileiras compunham até então um mercado pouco explorado, e por conta disso, o preço das pedras era bastante atrativo. E Hans enxergou que as pedras brutas poderiam ser lapidadas e transformadas em itens de desejo das classes mais altas do país; tal como as pedras famosas como o rubi, por exemplo.
Apostando cada vez mais no potencial das pedras brasileiras, o alemão criou sua própria oficina de ourivesaria, que em pouco tempo passou a contar com artesãos vindos da Europa, que primeiro foram consultores e depois passaram a integrar o time.
A investida fez com que o produto vendido por Hans fosse tão bom quanto os feitos com pedras tradicionais, tendo basicamente o mesmo design. Porém, o diferencial eram as diferentes cores que eram obtidas no Brasil, e que até então somente Stern havia buscado explorar daquela maneira.
Outro ponto importante foi a criação de um certificado de garantia internacional, que garantia que as peças de Stern seguiam o padrão internacional de joalheirias. Esse certificado trouxe credibilidade e mostrou que as pedras vendidas pelo empresário eram tão boas quanto as estrangeiras.
Inserido no mercado e dominando a compra, a venda e o processo de lapidação das pedras, Hans Stern decidiu abrir sua própria joalheira, e assim, em 1949, ele criou a H. Stern, uma joalheira sediada no Porto do Rio, no Touring Club, nas redondezas da Praça Mauá, no Rio de Janeiro.
A loja aproveitava o intenso fluxo de turistas que desembarcavam no porto, advindo de cruzeiros turísticos. De pronto, eles eram impactados pelas diferentes cores das pedras da loja, e rapidamente a loja se tornou um enorme sucesso. Apostando em matéria prima relativamente barata e uma margem de lucro bastante interessante, as pedras nacionais eram uma receita de sucesso.
Graças a essa visão de mercado, apostando em um produto de alta qualidade com peças nacionais que até então não estavam sendo devidamente valorizadas, a HStern se tornou um sucesso, e nos anos seguintes ganhou novas lojas. No ano seguinte a inauguração veio a segunda loja, e na década seguinte foram abertas lojas em Buenos Aires, na Argentina e em Montivideu no Uruguai.
Sempre apostando em alta qualidade, Hans Stern instituiu o maior Laboratório Gemológico da América Latina, para garantir sempre um produto de alta qualidade, com uma rigidez que começava desde o primeiro contato com a matéria prima. Esse cuidado aos detalhes aumentava o valor percebido em relação as joias produzidas por ele. Principalmente pois o preço cobrado por elas era substancial, e por conta disso, os clientes percebiam cada detalhe e exigiam o máximo de qualidade e perfeição.
Em 1959, a empresa implementou o primeiro desfile de joias do Brasil, seguindo as tendências internacionais, e apresentando ao Brasil, o conceito de luxo e sofisticação. A introdução do conceito de desfiles ajudou a popularizar no país as pedras coloridas como sinônimo de luxo, e fez com que as classes mais altas reconhecesse a HStern como símbolo da mais alta sofisticação.
Na década de 60, a empresa foi ainda mais ousada, e decidiu oferecer por si própria as pedras brasileiras no mercado internacional, não dependendo mais de intermediários ou importadores. Foi assim que em 1963 a HStern abriu sua primeira loja em Nova York, a primeira fora da América Latina.
O sucesso foi enorme, e o mercado internacional abraçou ainda mais as pedras coloridas brasileiras. Graças as diferentes cores e brilhos, a empresa se tornou a única a surfar em um novo nicho dentro do mercado de joias de alto luxo.
Posteriormente, a marca também ganhou lojas na Alemanha e em Portugal, e o sucesso foi replicado também na Europa, sob as mesmas bases da América.
Nos anos seguintes a marca decidiu não apenas investir em pontos comerciais pelo mundo, mas também ingressou fortemente na Publicidade e no Marketing, a fim de tornar as joias da H Stern um produto de desejo e fascínio de pessoas de todo mundo.
Com essa visão, a empresa apostou nas estrelas de Hollywood para divulgarem os produtos da marca. Além de compor o visual de diversas atrizes de renome em desfiles, eventos e festas, as joias também passaram a ser vistas em filmes de grande notoriedade nas décadas seguintes; despertando o desejo de milhares de espectadores em todo o mundo.
O reconhecimento internacional de Hans Stern foi chancelado não apenas pelo sucesso de vendas em todo o mundo, mas também com a honraria de ‘’Rei das pedras coloridas’’, concedido pela prestigiada Revista Time. Seu nome também foi homenageado em diversas revistas e publicações internacionais, tanto no mundo da moda, como no mundo dos negócios.
Reconhecido mundialmente, Hans conseguiu deixar para trás o status de refugiado e se tornou um dos maiores empresários do Brasil, país em que ele viveu e constituiu família.
Enquanto esteve no dia a dia da empresa, ele era visto dirigindo um Fusca e andava tranquilamente, sem seguranças. Mantendo simplicidade e discrição, apesar de já ser multimilionário.
Posteriormente, devido a sua idade, Hans Stern passou o comando da operação para seus filhos, e desde então seu filho mais velho Roberto Stern é o responsável pelo comando da joalheria.
Infelizmente, Hans Stern nos deixou em 1º de Outubro de 2007, aos 85 anos de idade. Em sua homenagem a família criou um museu, que está na sede global na Empresa em Ipanema, no Rio de Janeiro. Além disso, ele foi homenageado, dando nome ao Mirante do Leblon, que passou a se chamar Mirante Hans Stern. A homenagem foi dada em reconhecimento a sua obra como empresário e também como promotor das pedras brasileiras em todo o mundo.
Curiosamente, o trabalho e as paixões de Stern se confundiam. Além da música, ele também era colecionador de selos, atividade que ele conheceu após trabalhar em uma loja filatélica, e também ele era um grande admirador das pedras nacionais, sendo a Turmalina a sua favorita.
Após o falecimento de seu fundador, a HStern se tornou referência global no mercado de joias, e atualmente está presente em mais de 30 países, figurando entre as 5 maiores joalherias do mundo. Estima-se que a empresa hoje conte com mais de 170 lojas próprias, 110 pontos parceiros, 1800 colaboradores e que ao todo possua cerca de 450 milhões de dólares de faturamento anual.
Por conta de todo esse sucesso, a trajetória de Hans Stern é inspiração para muitas pessoas e mostra o poder de transformação do Empreendedorismo, capaz de transformar um refugiado em um empresário de sucesso e renome internacional.
A história pode ser conhecida com mais detalhes no livro H.Stern: A história do homem e da empresa, de Consuelo Dieguez.
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