Crise nas Americanas – é o fim das Lojas Americanas?
Mais de 90% de queda nas ações.
Possibilidade de Recuperação Judicial.
Possível rombo de dezenas de bilhões de reais.
“A maior fraude corporativa de que se tem notícia na história do país.”
O que aconteceu com as Americanas?
Afinal de contas, existe salvação para as Lojas Americanas?
Para entender o ocorrido com as ações das Lojas Americanas e o desenrolar dessa história, separamos nesse vídeo uma série de informações que visam mostrar os fatos e as diferentes versões sobre o ocorrido – e que ao final irão lhe dar elementos para que você tire suas próprias conclusões.
Por causa disso, é importante que você assista todo o vídeo, antes que xingue esse que vos fala….
Por fim, indico que grande parte das informações aqui descritas foram baseadas nas lições dos economistas José Kobori, Leandro Siqueira e Fernando Ulrich.
O DIFÍCIL MERCADO DE VAREJO NO BRASIL
O mercado de varejo brasileiro é considerado um dos mais delicados do planeta.
Nele, diversas empresas batalham pelos clientes, em meio a um cenário de juros, dólar e inflação inconstantes e incertezas políticas… e ao final, o que resta basicamente entre elas é a disputa pelo melhor preço.
Por causa disso, as varejistas vêm e vão após acumularem anos de prejuízo e necessidade constante de novos aportes.
Nesse cenário, está a Americanas, segundo maior player do mercado; hoje responsável por 15% do mercado de Varejo no país.
E a confusão aconteceu quando o então CEO das Americanas Sérgio Rial anunciou que estava deixando a posição apenas 10 dias depois de sua posse. Com a alegação de havia uma inconsistência contábil da ordem de 20 bilhões de reais no caixa das Americanas.
Rial é um dos nomes mais respeitados do mercado brasileiro, e havia sido presidente do Banco Santander antes de assumir o cargo.
Seu nome foi anunciado meses antes e fez com que as ações das Americanas tivessem uma alta considerável.
Além disso, havia uma expectativa bastante otimista do mercado com relação às empresas de varejo, principalmente pela possibilidade de vitória de Luís Inácio Lula da Silva, que em seus governos anteriores fomentou o mercado varejista.
Diante destes componentes, o mercado apostava em um 2023 promissor para as Americanas, principalmente por Rial ser considerado o nome ideal para uma possível volta por cima da empresa – que nos 10 anos anteriores acumulou prejuízos, com exceção do ano de 2021.
Dessa forma, as ações das Americanas abriram 2023 com o valor de cerca de 12 reais; com grande otimismo para que pudessem decolar….
Porém, a declaração de Rial pegou o mercado de surpresa e uma série de especulações sobre a real situação da empresa começaram a aparecer.
De acordo com o executivo, a raiz do problema incide em uma inconsistência contábil da ordem de 20 bilhões de reais, que foi reportada nos exercícios dos últimos 10 anos contábeis. E que pode ser ainda maior, uma vez que o ano de 2022 ainda não teve sua contabilidade concluída.
Ainda assim, não está totalmente esclarecido se o valor reportado é referente ao total acumulado ou se é referente a lacunas específicas ano a ano que foram somadas para efeito ilustrativo.
RISCO SACADO
A inconsistência aconteceu por força de uma operação chamada de Risco Sacado, que é comum no mercado de varejo.
No varejo é comum que as empresas comprem a prazo de seus fornecedores, com promessas de pagamento de 30, 60 ou até 90 dias.
Ainda assim, para ganharem volume e velocidade de entrega, algumas empresas incluem outro fator nessas negociações.
E ao invés de deverem aos fornecedores, eles transferem a dívida para bancos, que assumem o crédito e estipulam condições para as varejistas.
Contudo, o problema não está exatamente na operação e nem em seu volume. Mas, a princípio, na forma como ela foi declarada na contabilidade da empresa.
INCONSISTÊNCIAS CONTÁBEIS
Segundo o ex-CEO, a Americanas reportava em sua contabilidade que os valores a título de Risco Sacado eram parte das despesas correntes junto a fornecedores e não de fato dívidas.
E é a partir desse fato que a história pode encontrar diferentes contornos.
O próprio Rial não soube explicar com clareza a situação, e afirmou que a resolução irá demandar uma auditoria contábil mais detalhada para uma posição correta.
Contudo, de acordo com o que se pode concluir de suas palavras, o valor de 20 bilhões a serem pagos estava nas contas da empresa, mas lançado de forma incorreta.
O que parte para diferentes hipóteses.
Na hipótese de que as dívidas estavam realmente reportadas no balanço, mas em colunas incorretas, a correção destes números pode significar que a precificação das ações da empresa nos últimos 10 anos foi feita de forma totalmente incorreta.
Isso, porque, se o dinheiro a título de Risco Sacado fosse lançado como dívida, o resultado do patrimônio líquido da empresa seria totalmente diferente, ou até mesmo negativo. O que teria afastado investidores e também teria classificado a empresa como uma credora de maior risco.
Além disso, há suspeita de que ainda que lançado incorretamente, o fato de o valor não ter sido reportado como dívida fez com que a empresa tivesse um resultado contábil enganoso – o que pode ter beneficiado não só a capitalização e o preço das ações, mas também a remuneração de diretores e controladores da empresa.
A título de exemplo, os executivos da Americanas receberam ao todo 700 milhões de reais, em virtude de salários, bônus de desempenho e concessão de ações; conforme averiguado pelo Pipeline do Valor Econômico.
Ou seja, nessa hipótese, estaria atestada a inconsistência contábil, mas ainda assim essa situação poderia levar a problemas que podem gerar não apenas o dever de indenização ao mercado, mas também a responsabilização dos executivos, que podem ter até mesmo de devolver parte dos ganhos ao longo do tempo.
Controlada desde os anos 80 pelo Grupo 3G de Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, três dos homens mais ricos do Brasil, as Americanas tiveram crescimento extremamente expressivo principalmente nos anos 90, apostando em otimização de custos e capitalização junto ao mercado.
Porém, as Americanas não são a única empreitada do Grupo que teve problemas contábeis.
Em 2015, o Grupo sofreu acusações de ter maquiado o balanço contábil da América Latina Logística, a ALL, empresa de logística do Grupo que foi vendida para a Cosan em 2013.
Já em 2019, novamente o Grupo foi acusado e dessa vez condenado por práticas contábeis lesivas na gestão do conglomerado alimentício Kraft Heinz – um problema que rendeu uma multa milionária junto à SEC, a entidade reguladora do mercado de ações americano.
Além disso, o grupo teve que corrigir o balanço contábil da empresa em 2 exercícios anuais; depois que foi constatado que o resultado anteriormente anunciado era muito melhor do que o resultado real da empresa.
A confusão derrubou o valor das ações da Kraft Heinz e notabilizou aquele que foi chamado de fracasso bilionário do Grupo – que inclusive posteriormente se desfez de algumas ações da empresa.
Em 2021, o Grupo anunciou que estaria deixando o comando das Americanas, mas ainda assim, ele detém mais de 30 por cento do capital das Americanas.
E apesar da saída, os balanços questionados são referentes ao período em que eles ainda estavam no comando da varejista.
Por causa desse histórico, a confusão das Americanas coloca uma enorme interrogação não só na empresa, mas também no Grupo 3G como um todo. E principalmente na estrela do grupo, a AMBEV.
Além disso, a confusão também coloca na mira a PWC, empresa de auditoria responsável por averiguar os balanços contábeis das Americanas; que está sendo também acusada de leniência por ter deixado a inconsistência passar por tanto tempo.
Porém, existe a segunda hipótese que pode ser ainda mais delicada.
POSSIBILIDADE DE FRAUDE
Apesar das declarações de Rial, a situação contábil das Americanas pode ser ainda mais nebulosa do que parece – e existe até mesmo a hipótese de que os 20 bilhões de reais não estavam descritos como endividamento ou como passivo corrente.
Nesse caso, estaríamos diante da maior fraude da história da bolsa brasileira, que pode responsabilizar executivos e controladores da empresa até mesmo criminalmente.
Contudo, somente poderá se averiguar qual das hipóteses é a verdadeira após minuciosa.
Ainda assim, a situação começou a ficar extremamente tensa, antes mesmo da resolução da questão contábil.
Isso, porque, além de toda a confusão, foi dado início a um verdadeiro pânico no mercado.
Já que para muitos, a correção do balanço financeiro pode não só indicar que a saúde da empresa é extremamente delicada – mas que também ela pode estar na verdade à beira da falência – repetindo a história de empresas como Mesbla, Arapuã e Mappin.
A tensão fez que com as ações das Americanas tivessem forte queda nas últimas duas semanas, a ponto de despencarem de cerca de 12 reais para pouco mais de 1 real.
A situação reuniu acionistas que visavam minimizar o prejuízo, especuladores e até algumas pessoas que tiveram ganhos impressionantes ao apostarem antecipadamente contra a empresa – o que já levanta hipóteses até mesmo de uso de informação privilegiada.
Para completar, a falta de clareza sobre a real situação das Americanas fez com que se especulasse de que a empresa teria entre 16 e até 40 bilhões de reais em dívidas diversas não declaradas. Valor máximo que tornaria a relação patrimônio – endividamento negativa.
Os boatos resultaram na hipótese de que a empresa poderia entrar em processo de falência. O que deixaria um fila de credores desesperados para ver quem receberia primeiro.
Para se ter ideia, até onde foi noticiado, as Americanas possuem diversas dívidas com instituições financeiras – sendo os maiores credores o Bradesco, o BTG e o Banco Santander.
Essas dívidas incluem as operações de risco sacado e também empréstimos feitos ao longo dos anos.
E dentre os credores também está o BNDES. Ainda assim, o banco estatal disse que seu crédito junto a varejista está assegurado por um contrato com outro banco.
O principal problema é que independente da hipótese – seja erro ou fraude – a Americanas já teve sua avaliação geral reduzida pelas agências de rating, que classificaram o risco da empresa na categoria Calote.
Diante desse movimento, vários contratos financeiros assumidos pela empresa podem ser executados imediatamente, uma vez que foi adicionado um novo elemento de risco na relação entre a empresa e seus credores.
E caso um credor dê início a essa execução imediata, os demais credores que tiverem essa prerrogativa também o farão – o que causaria um efeito dominó que abocanharia até o último centavo da empresa em um curto espaço de tempo.
BTG PACTUAL x AMERICANAS
Nesse cenário de incerteza, o Banco BTG Pactual partiu para o ataque imediato – visando garantir pelo menos 1.2 bilhão de reais que emprestou para a varejista.
Para tanto, o banco procurou a Justiça para garantir a penhora do valor das contas da Americanas, em uma contundente petição em que os advogados do banco classificam o caso das americanas como a “maior fraude corporativa de que se tem notícia na história do país.”
E adiciona que estamos diante de um caso em que os donos do Grupo 3G seriam fraudadores que foram pegos com a mão no caixa da empresa.
A atitude foi vista como uma declaração de guerra do banqueiro André Esteves frente aos bilionários do 3G. E no momento dessa redação, o banco teve uma decisão favorável para bloquear o valor requerido.
E de certo modo, a situação acendeu a luz amarela para as Americanas, que além de pedirem uma medida protetiva liminar para garantirem que não ocorram bloqueios que inviabilizem o seu caixa – a empresa também entrou com um pedido de recuperação judicial.
RECUPERAÇÃO JUDICIAL DAS AMERICANAS – O QUE PODE ACONTECER?
Pedido que surpreende pelo valor alegado de 40 bilhões de dívidas, um valor bem maior do que o anunciado e que compreende não só o valor contestado nos balanços, mas também o endividamento total do negócio.
O que assusta, uma vez que a empresa recentemente apresentou patrimônio líquido de cerca de apenas 1 quarto desse valor.
Apesar de semelhante, a medida não é exatamente um pedido de falência, mas um mecanismo para que uma empresa em dificuldade possa se reorganizar para não ir à falência.
A grosso modo, nesse processo, a empresa pede à Justiça para que seja determinada uma forma de manter o negócio de pé e que ao mesmo tempo possa ser realizado o pagamento a credores e fornecedores, sem prejudicar o fluxo de caixa da companhia.
A hipótese é definida pela Lei brasileira e visa manter a empresa e principalmente os empregos.
Ou seja, para não ser engolida pelos credores, que poderiam executar simultaneamente seus contratos, em um efeito dominó que acabaria com a empresa – a Americanas decidiu recorrer ao mecanismo legal para continuar de pé.
Com a medida, a empresa poderá ganhar tempo para se reorganizar e tomar um fôlego para que consiga resolver suas pendências o quanto antes.
Além disso, a justiça pode definir a forma e ordem de pagamento aos credores.
Dentre as possíveis soluções para que a Americanas continue de pé, está uma robusta injeção de capital na empresa para mantê-la com o mínimo de saúde.
Para tanto, a empresa precisaria tomar dinheiro no mercado para sobreviver.
O problema é encontrar quem esteja disposto a investir na empresa depois de tudo que foi descoberto.
EXISTE SALVAÇÃO PARA AS AMERICANAS?
Estima-se que para cobrir o rombo imediato e deixar a empresa rodando de forma minimamente saudável seria necessário um aporte da ordem de 10 bilhões de reais.
E apesar de garantirem que vão apoiar o processo de reestruturação, os bilionários do 3G teriam sinalizado que podem aportar até cerca de 6 bilhões de reais no negócio.
Dessa forma, será necessário estudar outras formas de capitalização.
Uma delas é a possível emissão de novas ações da empresa para o mercado, a partir da diluição do número de ações atual. Ou seja, um aumento do número de ações circulantes.
Contudo, para esse movimento, os acionistas atuais serão inicialmente prejudicados, uma vez que as ações que eles possuem atualmente terão seu valor diminuído em razão da nova estrutura de capital. Mas, nesse caso, o prejuízo será menor do que se a empresa entrar em uma espiral ainda mais delicada ou até mesmo falir…
De toda forma, a empresa já contratou o escritório Rothschild and. Co. para averiguar a situação e traçar um plano de renegociação das dívidas.
Vale lembrar que apesar dos problemas, Jorge Paulo Lemann e o Grupo 3G já estão acostumados a lidarem com empresas de alto endividamento, como é o caso da Kraft Heinz e até da AB Inbev, que apesar da liderança no mercado, acumula dívidas.
E do outro lado está André Esteves, cujo uma das especialidades como banqueiro é resgatar ou até desmembrar negócios falidos como o Banco Panamericano e algumas empresas de Eike Batista.
Diante das cartas que estão no tabuleiro começam as apostas sobre o futuro das Americanas.
Uma briga de gente grande que coloca os principais bancos e alguns dos homens mais ricos do Brasil em conflito.
E resta a pergunta – qual será o futuro das Americanas?
Será que a empresa vai falir?
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