Uma das marcas mais icônicas do Brasil, a Dolly ganhou notoriedade não só por seus produtos, mas também por seu clássico mascote, o Dollynho; e mais recentemente por uma batalha jurídica que pode colocar em xeque todo o trabalho da empresa.
Tudo começou em 1987 quando o paulistano Laerte Codonho, então com 26 anos, decidiu criar uma marca de refrigerante de preço acessível, tendo o sabor Guaraná como seu carro chefe.
Em busca de criar diferenciais, o empresário decidiu apostar na criação de um refrigerante dietético, em um momento em que o mercado brasileiro não tinha tais opções.
Porém, até aquele momento, a produção de refrigerantes dietéticos era proibida por força de uma Lei editada em 1973. Ainda assim, Laerte decidiu pleitear na justiça o direito de produzir a bebida, e conseguiu com uma sentença favorável expedida pela Justiça de São Paulo ainda em 1987.
Dessa forma, surgia o Diet Dolly, o refrigerante dietético de guaraná, que segundo Codonho foi o primeiro do gênero em todo o Brasil.
Entretanto, apesar de conseguir uma sentença favorável à produção, o Diet Dolly foi alvo do Poder Público que alegou que a Dolly tinha sim o direito de produzir o refrigerante, mas não de vendê-lo. O que embargou as vendas da bebida, que só voltou ao mercado depois de uma nova batalha jurídica, que autorizou sua venda.
Nos anos seguintes, o Guaraná Dolly conquistou grande sucesso principalmente no Estado de São Paulo, e a empresa encorpou sua linha de produtos com outros sabores de refrigerante como Limão, Laranja, Uva e Cola.
Famosas pelo preço acessível, as bebidas da Dolly começaram a impactar o mercado paulista, e segundo Codonho, foram determinantes para que a Coca-Cola e outras fabricantes abaixassem os seus preços para impedir o crescimento da marca.
Em um cenário de grande competição, a marca se consolidou e traçou uma estratégia para conquistar o mercado nacional através de propagandas e comerciais em redes de TV aberta.
Com pouco orçamento, a marca conseguiu espaço em uma emissora que estava começando a despontar no início dos anos 2000, e que havia substituído o canal da extinta TV manchete: a Rede TV.
Ainda assim, o orçamento enxuto não permitia que a Dolly tivesse grandes gastos na produção dos comerciais, e foi nesse momento que a criatividade de Laerte Codonho aflorou.
Diante do sucesso do programa Teletubies, o empresário decidiu criar uma mascote para promover a Dolly; e ele mesmo desenhou e idealizou o personagem. Surgia assim, o Dollynho. Um ícone da propaganda nacional.
A estreia do personagem se deu em uma ação visando o público infantil, que contava com os próprios filhos de Codonho na propaganda. E todas as ações e falas do Dollynho eram inicialmente coordenadas pelo próprio empresário.
Em conjunto, a empresa também apostava em jingles repetitivos que ajudaram a popularizar a ideia de sabor brasileiro, apostando também no espírito patriótico dos consumidores.
Com esses ingredientes, a Dolly usava as armas que possuía dentro de um arsenal limitado, mas criativo; e que usava e abusava de artifícios que dividiam opiniões; e que colocaram a marca na cabeça dos consumidores brasileiros.
Dessa forma, a marca conquistou relativo destaque na mídia nacional a partir dos anos 2000. E, ao mesmo tempo, começou uma história confusa e repleta de reviravoltas.
Segundo Codonho, a principal confusão começou quando uma série de notícias falsas e difamatórias contra a Dolly foram propagadas em vários pontos da cidade de São Paulo, incluindo estações de metrô e pontos populares onde estava presente o público consumidor das bebidas da empresa.
Dentre as inverdades, estavam acusações de que a bebida era preparada com ingredientes extremamente nocivos à saúde; e que as pessoas deveriam ter cuidado com a marca.
Na mesma época, o empresário alega ter sido coagido por representantes da Coca-Cola que o teriam ameaçado, e garantido que a Dolly seria extinta do mercado.
Em sua defesa, o empresário publicou um vídeo caseiro, de uma conversa entre ele e um então executivo da FEMSA, a empresa responsável pela comercialização da Coca-Cola no Brasil.
Na gravação feita pelo próprio empreendedor, é dito que a gigante não medirá esforços para eliminar a concorrência. E a partir dali, supostamente, estaria lançada uma guerra entre a Dolly e os representantes da gigante americana.
Desde então, Codonho passou a expor constantemente a gravação da conversa, que inclusive foi material de uma das propagandas da Dolly; e ele também relatou as supostas ameaças em algumas oportunidades, inclusive em um extenso programa da Rede TV, exibido no ano de 2003.
Além de alegar as ameaças, ele também deu início a uma campanha contra a Coca-Cola, acusando a gigante de utilizar em suas bebidas, uma preparação obtida a partir da folha de coca; o que é proibido pela lei brasileira.
De acordo com ele, a gigante utiliza um extrato importado que contém a substância proibida de forma mascarada; de modo que ela não é detectada em uma análise simples. E que o fato poderia ser atestado mediante análise química detalhada.
Apesar disso, tais informações nunca foram publicamente demonstradas, e foram imediatamente desmentidas pela empresa.
Em paralelo, ele também acusou a gigante de concorrência desleal e de supostamente ter problemas com o fisco brasileiro.
De todo modo, a animosidade entre Coca-Cola e Dolly ficou em silêncio pelos anos seguintes; e a Dolly continuou crescendo, tornando também o Dollynho extremamente popular, principalmente nas redes sociais.
O crescimento foi tão expressivo, que segundo a consultoria AC Nielsen, em 2015 a Dolly já detinha 10% do mercado nacional de refrigerantes no Brasil; mesmo sendo vendida apenas na região Sudeste. E tal fato era possível graças ao impressionante Market share de 30% na Grande São Paulo.
E no ano de 2016, a marca alcançou seu auge ao contar com mais de 2.000 funcionários e 4 fábricas.
Porém, foi a partir daí que começou o inferno astral da empresa.
PROBLEMAS COM A JUSTIÇA
Primeiro, a Dolly foi acusada de comandar um sofisticado esquema de sonegação fiscal que poderia chegar a mais de 4 bilhões de reais em tributos não pagos, tanto na esfera federal quanto estadual. E os valores seriam devidos desde 1990.
Além disso, pela acusação o dono da fabricante também estaria envolvido em um esquema de ocultação de patrimônio, lavagem de dinheiro, sonegação e formação de quadrilha.
Junto da acusação, a empresa também foi alvo de operações da Polícia Federal.
Nesse meio, Laerte Codonho alegou que havia sido vítima de um golpe de seu próprio contador, Rogério Raucci, dono da R&D Assessoria Contábil; que segundo ele, havia falsificado documentos e guias fiscais, em um esquema que desviou mais de 100 milhões de reais da Dolly, direto para o bolso do contador.
Pela fraude, a Dolly pagava as guias falsas, acreditando estar pagando para o fisco, quando na verdade, o dinheiro ia para contas do próprio Raucci.
O fato foi endossado pelo sócio minoritário da R&D, Esaú Domingues, que tinha apenas 1 por cento de participação na empresa; e mesmo assim fez um acordo de delação premiada em que revelou o esquema e devolveu parte do dinheiro desviado.
Já Raucci está sendo processado e amplamente investigado pela Polícia Civil desde então.
Em outra ponta, a Dolly celebrou acordo para quitar as dívidas de ICMS que ficaram pendentes na situação, e que totalizariam mais de 33 milhões de reais.
Contudo, o suposto golpe não foi suficiente para convencer os procuradores responsáveis pelo caso, que em Maio de 2018 conseguiram na Justiça o bloqueio das contas da empresa, o sequestro dos bens de Codonho; a quebra de seu sigilo fiscal e até mesmo a prisão do empresário.
Na ocasião, Laerte teve sua prisão filmada, e chamou a atenção do país com uma folha de papel escrita com batom, que dizia que ele estava sendo ‘’preso pela Coca-Cola’’. Ele ficou 8 dias preso até ter a prisão suspensa.
No mês seguinte, com o bloqueio, a Dolly pediu recuperação judicial e teve que fechar uma de suas fábricas, demitindo 1000 funcionários.
Respondendo em liberdade, Codonho também foi acusado de ser proprietário da empresa Lumia Capital Industries, uma empresa sediada no Estado de Nevada nos Estados Unidos, e que havia feito uma operação de compra e venda de um imóvel no interior de São Paulo, avaliado em mais de 1 milhão de reais.
Em sua defesa, Codonho alega que não é dono da Lumia Capital Industries, e que na verdade, ele é proprietário de uma empresa de nome semelhante: a Lumia Industries, também sediada em Nevada.
A empresa não tem patrimônio ou movimentação, e foi criada para uma futura expansão internacional da Dolly que não aconteceu.
A alegação foi aceita pela Justiça um ano depois, que descartou a participação da empresa de Codonho na transação imobiliária.
Enquanto os processos acontecem, a Dolly tenta sobreviver, e passou a também contra-atacar juridicamente.
No todo, são duas grandes acusações, uma na esfera Estadual e outra na Esfera Federal.
Primeiro, a empresa alega suspeição nas investigações estaduais, uma vez as supostas provas de sonegação fiscal apresentadas pela Procuradoria de Fazenda do Estado de São Paulo foram produzidas com auxílio de uma empresa contratada pelo Poder Público, chamada Neoway Big Data.
De acordo com Codonho, a Neoway tem como investidores, a própria Coca-Cola Company e o brasileiro Jorge Paulo Lehmann, principal acionista da AMBEV, dona do Guarana Antártica e distribuidora da Pepsi no Brasil.
A alegação do empresário foi endossada pelo Ministério Público de São Paulo, que abriu investigação para averiguar se a Neoway agiu de forma indevida no curso das investigações.
Enquanto isso, a Dolly conseguiu desbloquear parte das contas, mas mesmo assim tem dificuldades de honrar seus compromissos presentes.
E de forma surpreendente, na esfera Federal, a Dolly conseguiu virar o jogo.
Inicialmente, havia a denúncia de que a empresa devia mais de 1.7 bilhão de reais para a União; mas, em graças a uma sentença na 1ª Vara Federal de São Bernardo do Campo e uma tutela de urgência na 14ª Vara Federal de Brasília, a Justiça reconheceu que, na verdade, a Dolly não é devedora dos tributos, e sim, é Credora da União por razão do direito de uso de créditos decorrentes do IPI, já que a empresa utiliza concentrado de Guaraná advindo da Zona Franca de Manaus; e de acordo com a decisão, o valor do crédito é de mais de 200 milhões de reais.
As decisões ainda são objeto de discussão na Justiça.
Com a vitória, provisoriamente, a Dolly tenta continuar, e Laerte Codonho também se movimenta para responsabilizar os procuradores estaduais por suposto abuso de autoridade, em um processo em que ele pleiteia também indenização por danos morais.
Mas, novas acusações apareceram. Dessa vez, contra uma empresa que prestava serviços para a Dolly, conhecida como Ragi.
De acordo com as denúncias, a empresa também teria efetuado fraudes contra o fisco. E estaria envolvida com o Codonho.
Ele, por sua vez, negou qualquer participação no quadro societário da empresa, alegando que se trata apenas de uma prestadora de serviço; que inclusive se defendeu da acusação, alegando que não tem relação com o empresário.
E, entre idas e vindas, a batalha envolvendo a Dolly continua. E coloca em dúvida o futuro da empresa. Ainda assim, segundo Laerte Codonho, não vão conseguir quebrá-lo e a Dolly vai sobreviver.
E a reposta só o tempo dirá.
De toda forma, a História da Dolly é motivo de grande curiosidade e é mais uma história que merece ser contada em nosso canal, sendo pedido de vários de nossos inscritos.
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