Charlie Munger é um dos maiores investidores do mundo, e nada mais, nada menos do que o braço direito de Warren Buffett.
Apesar de não ter a mesma fama de seu sócio, Munger é considerado pelo próprio Buffett como uma das mentes mais brilhantes do planeta; que inclusive, atribui boa parte de seu sucesso ao fato de estar ao lado de pessoas extraordinárias como o amigo.
Mas, o que poucas pessoas sabem, é que Charlie teve uma vida de grandes percalços e dificuldades, que faz de sua trajetória ainda mais impressionante.
Nascido em 1º de Janeiro de 1924, na cidade de Omaha, Nebraska nos Estados Unidos, Charles Thomas Munger começou a trabalhar ainda na adolescência, quando conseguiu um emprego no armazém Buffett and Son; curiosamente, a empresa do avô de Warren Buffett; fato que ocorreu décadas antes deles se conhecessem.
Posteriormente, ele entrou para a Universidade de Michigan para estudar Matemática. Porém, em 1943, após completar 19 anos, ele largou os estudos para ingressar no Exército Americano, que participava da 2ª Guerra Mundial.
Por lá, ele se tornou segundo tenente até ser dispensado e ingressar no Caltech, um centro de referência em Meteorologia na cidade de Pasadena na Califórnia; local onde ele se firmou desde então.
No Caltech, ele conseguiu aprimorar ainda mais a suas habilidades com a matemática, e também a capacidade de realizar previsões; fatores que compuseram um atributo extremamente importante décadas depois.
CARREIRA NO DIREITO
Apesar da facilidade com a matemática, Charlie decidiu seguir a carreira de seu pai, e se tornar advogado. E graças ao seu excelente histórico acadêmico, ele conseguiu ingressar na prestigiada Universidade de Harvard, onde ele se graduou em Direito com louvor em 1948.
Durante este período, ele conheceu e se casou com Nancy Huggins, com quem teve três filhos.
Após a graduação, o futuro investidor trabalhou alguns anos como advogado em um escritório também em Pasadena; até decidir abrir sua própria firma, quando fundou o escritório de advocacia Munger, Tolles and Olson LLP.
Porém, a partir de 1954, a vida de Charles passou por um momento de extrema turbulência.
O FATÍDICO ANO DE 1954
Primeiro, o seu casamento entrou em crise, e o casal optou pelo divórcio; em uma época em que a sociedade não aceitava bem o fato; e que a separação judicial dos bens era extremamente turbulenta.
Por conta disso, a maior parte do patrimônio de Munger ficou com a ex-esposa, que também ficou com a custódia dos filhos do casal.
Apenas um ano depois, seu filho Teddy, então com 8 anos de idade, foi diagnosticado com Leucemia.
Na época, a doença não tinha tratamento, e a família não tinha nenhum tipo de plano de saúde para cobrir as internações do menino. Nesse cenário, durante 11 meses, Charlie gastou todo o dinheiro que tinha para tentar salvar a vida do filho; mas, infelizmente, Teddy faleceu.
Dessa forma, aos 30 anos de idade, Charlie Munger estava totalmente quebrado; não só financeiramente, mas também emocionalmente. Tanto que ele voltou para sua cidade natal para passar um tempo com seus familiares e tentar se recuperar de alguma forma.
Sobre o período, ele diz:
“De modo geral, a inveja, o ressentimento, a vingança e a autopiedade são modos desastrosos de pensamento. A autopiedade chega bem perto da paranoia, e a paranoia é uma das coisas mais difíceis de reverter. Você não quer cair na autopiedade … Autopiedade não vai melhorar a situação’’.
Durante a temporada que passou no Nebraska, Charlie teve momentos que literalmente mudaram sua trajetória, e lhe abriram novos caminhos na vida.
NOVOS HORIZONTES
Primeiro, ele conheceu Nancy Barry; que assim como ele, havia se divorciado. Curiosamente, mais uma Nancy.
Pouco tempo depois eles se casaram, e tiveram quatro filhos.
E, em 1959, também na cidade de Omaha, Munger participou de um jantar a convite de um amigo que insistiu para que ele conhecesse um conterrâneo que estava prosperando no mercado financeiro… Warren Buffett.
Desde o primeiro encontro os dois tiveram grande afinidade, e Buffett lhe apresentou o mercado financeiro; e como aquele mundo estava repleto de oportunidades; especialmente para quem estivesse disposto a entende-lo de uma forma analítica e aprofundada.
Suas ideias e sua filosofia de investimentos, eram baseadas nos ensinamentos de Benjamin Graham; seu mentor e autor do livro ‘’ O Investidor Inteligente’’. E dessa forma, Charlie passou a aumentar cada vez mais seu contato com Buffett e também indiretamente com o mercado financeiro.
E aos poucos, o contato se transformou em uma paixão; A ponto de Munger começar a dedicar sua vida para os investimentos.
Primeiro, ele retornou a Pasadena, e por lá, enquanto trabalhava como advogado, ele passou a reunir suas economias para dar início a uma série de investimentos.
Desde o início, tanto a familiaridade de Charlie com a Matemática, quanto seu conhecimento jurídico; ajudaram de forma que ele formasse uma visão multifacetada do mercado como um todo. E essa visão lhe trouxe imensas vantagens, e abriu seus olhos para oportunidades não só no mercado financeiro, como também no negócio imobiliário.
PRIMEIROS INVESTIMENTOS
No início, o foco de seus investimentos era no mercado imobiliário, já que os Estados Unidos, na ocasião, experimentavam um grande boom, em que as pessoas formavam famílias cada vez maiores, que demandavam lares também maiores.
Além do aquecimento do mercado, o sistema americano já contava com mecanismos que tornavam interessantes os investimentos no chamado mercado de real estate; que possibilitavam o ingresso de investidores que possuíam pouco capital; como era o caso de Munger.
E se aproveitando do momento auspicioso, seu patrimônio passou a aumentar consideravelmente; permitindo também investimentos no mercado de ações.
Em paralelo, enquanto se dava bem investindo em imóveis, ele também começou a operar na Bolsa de Valores da Costa do Pacífico.
Confiante na nova atividade, Charles decidiu abandonar a advocacia e abriu um escritório de investimentos em 1962, em uma parceria com seu amigo Jack Wheeler, formando o Wheeler, Munger and Company.
Curiosamente, o escritório Munger, Tolles and Olson LLP existe até hoje, e além de ser bem-sucedido, presta serviços para a firma de Warren Buffett, a Berkshire Hathaway.
Se antes, os investimentos eram feitos somente com seu próprio capital; ao abrir o escritório, Munger passou a operar também o dinheiro de seus clientes; recebendo também comissão sobre sua performance com o capital dos terceiros.
FILOSOFIA DE INVESTIMENTOS
Desde o início, o agora investidor chamou a atenção até mesmo do próprio Buffett, por ser capaz de fazer muito com muito pouco; dada a sua habilidade de operar pequenas quantias, de forma que elas tivessem retornos interessantes.
Dentre a sua filosofia de investimentos estava o fato de priorizar sempre a qualidade dos ativos, ao invés do preço. Ideia que passou a ser adotada por Warren Buffett por influência do amigo.
De acordo com suas ideias, a escolha da empresa a se investir deve considerar uma série de aspectos da gestão; dentre eles, um sistema em que os executivos tenham uma mentalidade de dono, de forma que todas os movimentos sejam feitos sempre para aumentar a atuação da empresa e torna-la cada vez maior no longo prazo.
Por conta disso, ele é adepto de empresas que reinvestem constantemente seus lucros. E ele não só demonstrou sua ideia, como persuadiu o amigo a adotar essa visão.
A título de exemplo, em 1965, Charles convenceu Buffett a apostar na compra das ações da See’s Candies, uma fabricante de balas e chocolates que rendeu retorno de mais de 4.000 por cento para o magnata. E essa foi apenas uma de suas análises que se provaram extremamente lucrativas.
Ao longo dos anos, o investidor continuou se preparando diariamente através de doses cavalares de leitura e estudo. Hábito que veio desde os primeiros anos de vida e que se mantém até hoje.
Segundo algumas publicações, Warren Buffett lê diariamente entre 300 e 500 páginas, considerando balanços de empresas, jornais, revistas e livros.
E há relatos de que Munger lê ainda mais do que o amigo; e dos mais variados temas. Fato que construiu seu conhecimento multifacetado; desde os tempos de graduação, quando ele passou pela Matemática e também pelo Direito; dois polos bem diferentes do conhecimento.
Segundo ele, se você seguir habilmente o caminho multidisciplinar, nunca mais desejará voltar.
A ideia de conhecimentos múltiplos também é fruto de seu estudo. Especificamente, da vida e das obras de Benjamin Franklin; considerado uma das figuras mais inteligentes e importantes da História.
Inclusive, nas situações difíceis, Charlie pensa em como o próprio Ben Franklin resolveria os problemas.
Mas, se engana quem acha que o investidor acredita que sua capacidade multidisciplinar é aplicável para todo tipo de situação.
Segundo ele, ao longo de sua jornada, ele sempre soube exatamente que deveria atuar somente nas áreas em que ele tinha pleno conhecimento; e que todo o resto, ele deveria reconhecer que simplesmente não sabia. Visão que é compartilhada por Buffett. E que a maioria das pessoas, segundo eles, é incapaz de aplicar.
Dentro desse escopo limitado, seus investimentos também costumam ser concentrados em poucas ações.
Durante o período de seu escritório, não foram raras as vezes em que todo o capital sob sua custódia foi usado para a compra e venda de ações de uma ou de apenas algumas empresas.
A título de exemplo, uma de suas tacadas mais famosas envolveu as ações da empresa canadense British Columbia Power.
Na ocasião, havia rumores contundentes de que a empresa estava em vias de ser adquirida pelo Governo Canadense, e suas ações seriam compradas por um valor superior ao valor de mercado.
Analisando o caso, Munger decidiu reunir todo o dinheiro dos investidores que estavam sob sua custódia, todo seu patrimônio e mais todo o dinheiro que conseguiu emprestado para comprar ações da companhia e realizar uma operação de Arbitragem, a fim de conseguir uma lucratividade de cerca de 15%.
Em sua análise, a operação praticamente não tinha riscos, e valia a pena colocar tudo em jogo para conseguir o retorno. E assim ele o fez. E colheu os louros.
A história é contada no livro ‘’ A Bola de Neve’’, que relata a história completa de Warren Buffett.
Entretanto, os movimentos ousados encontraram percalços a partir de 1973, quando o mercado americano sofreu os impactos do segundo choque do petróleo. Dessa forma, após anos de retornos expressivos, a carteira do investidor começou a sofrer revezes. E assim, ela acumulou perdas de 32 por cento em 1973 e 31 por cento em 1974.
Por conta disso, a reclamação foi tão grande por parte dos clientes, que o investidor decidiu liquidar todas as ações sob sua custódia, e fechar o escritório.
O episódio mostrou para ele como a imensa maioria das pessoas não conseguia lidar com a volatilidade do mercado financeiro; e ao mesmo tempo, lhe mostrou que o seu estilo também poderia ser agressivo demais para o mercado.
Ainda assim, segundo o próprio Buffett, apesar do fim da empreitada, enquanto Munger teve seu próprio escritório, ele acumulou ganhos anuais médios acima de 19%. Um retorno imensamente superior ao índice Dow Jones, que tinha média de apenas 5 por cento por ano, entre os anos de 1962 até 1975.
Dessa forma, apesar de o negócio ter deixado de existir, Munger conseguiu conquistar seus primeiros milhões de dólares. O que para ele significava não a oportunidade de comprar carros ou bens de luxo, e sim de ser independente. O que foi seu Norte durante os anos anteriores.
Segundo ele, o verdadeiro segredo para o sucesso nos investimentos não está na compra ou na venda das ações, e sim na espera. E que o caminho correto é tentar ser consistente durante muito tempo, ao invés de agir como a maioria das pessoas, que tenta ser genial em um curto espaço de tempo.
NOVOS PROBLEMAS
Porém, apesar de ter conseguido um patrimônio robusto; Munger teve uma nova dificuldade na área da saúde, quando aos 52 anos ele teve a visão imensamente prejudicada pela catarata; que o fez ficar cego de um olho. Posteriormente, a dor era tão insuportável que ele teve de remover o olho. E atualmente, ele utiliza uma prótese.
Além disso, o outro olho continuou enfrentando problemas de sangramento, que fizeram com que ele perdesse parte da visão. Na ocasião, ele foi aconselhado pelos médicos a se preparar para perder completamente a visão. E por conta disso aprendeu braile para poder continuar o hábito da leitura nos anos seguintes.
Felizmente, até o presente momento, a previsão dos médicos não se realizou; e ele ainda consegue enxergar.
Apesar dos desafios, a nova dificuldade não derrubou Charlie, e deu combustível para ele tentar novamente alcançar o sucesso no mercado financeiro, ainda na década de 70.
Dessa forma, ele logo retornou ao mundo dos investimentos, e dessa vez, em conjunto com o amigo que lhe introduziu aquela realidade: Warren Buffett.
PARCERIA COM BUFFETT
Impressionado com o histórico do amigo, Buffett convidou Munger para comprar ações de uma empresa têxtil que ele havia assumido o controle acionário: a Berkshire Hathaway.
O convite foi aceito; e desde então, os dois se tornaram sócios. E mais do que isso, a partir dali os dois iniciaram uma parceria que já dura mais de 50 anos.
Nesse meio tempo, Munger foi designado para tomar conta da Wesco Financial, uma subsidiária da Berkshire, então localizada na cidade de Pasadena, na Califórnia. As operações da empresa foram encerradas em 2011.
Paralelamente, durante estas cinco décadas, Munger atuou como uma espécie de conselheiro de Buffett; sendo reconhecido pelo magnata como seu braço direito.
Atualmente, Charlie Munger é considerado um dos maiores investidores do mundo, e possui uma fortuna avaliada em mais de 2.2 bilhões de dólares, segundo a Revista Forbes.
Ainda assim, apesar de sua fortuna ser de apenas cerca de 2 por cento da fortuna de Bufett, o amigo faz questão de ressaltar que Munger é a mente mais inteligente que ele conhece, capaz de entender o mercado de ponta a ponta; sendo também figura vital para o sucesso da Berkshire Hathaway.
Vale lembrar, que ao contrário de Buffett, Munger não se comprometeu a doar a maior parte de sua fortuna para caridade; principalmente, porque ele já fez generosas doações em vida e também já repassou boa parte de seu dinheiro para seus seis filhos.
Atualmente, aos 97 anos de idade, Charlie Munger continua na ativa e segue fazendo previsões sobre o mercado.
Inclusive, ele surpreendeu o mundo na última semana ao dizer que o Bitcoin é um produto repugnante, criado do absoluto nada e que é contrário aos interesses da civilização.
Fato que gerou críticas e especulações; será que o investidor tem razão?
Só o tempo irá dizer.
De toda forma, Charlie Munger é um dos maiores investidores de todos os tempos e sua trajetória é mais uma história de sucesso que merece ser contada em nosso canal.
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