A NBA é hoje um enorme fenômeno financeiro e de mídia.
O torneio leva o Basquete americano para todo o mundo, e faz com que milhões de pessoas conheçam um dos esportes mais populares dos EUA.
Com lendas como Magic Johnson, Michael Jordan, Shaquile O ‘Neil e Kobe Bryant, a liga é responsável por expressivas médias de audiência, por movimentar uma infinidade de produtos e gerar ídolos mundiais ano após ano, como atualmente LeBron James e Stephen Curry.
Porém, nem sempre esta foi a realidade da NBA, e tudo mudou graças ao trabalho de um empreendedor visionário, que transformou para sempre a principal liga de basquete do mundo: David Stern.
Stern foi o responsável por transformar a NBA de uma liga falida e com perspectivas de esquecimento, em uma das ligas mais famosas de todos os esportes no mundo.
Conhecido como Comissário da Liga, uma espécie de presidente, ele esteve à frente da liga entre 1984 e 2014.
Porém, seu começo foi bastante difícil.
Conhecida na época por ser uma liga de jogadores bêbados e pouco profissionais, a NBA começava a definhar e nem de longe chamava a atenção dos americanos. Outros esportes como baseball e futebol americano tinham muito mais cartaz para o público americano.
Na ocasião, os jogadores da liga eram usuários assumidos de drogas, que iam desde maconha à cocaína e LSD. Além disso, regularmente, estavam envolvidos em brigas sérias dentro das quadras, o que afastava os espectadores.
A torcida, cada vez, estava menos presente durante os jogos. Em média, os jogos não atendiam nem metade da capacidade dos estádios.
Até então, não havia transmissão ao vivo dos jogos, e até mesmo, jogos que hoje são considerados lendários, não foram transmitidos por uma grande emissora de televisão, e só foram revelados em gravações curtas, anos depois.
Porém, tudo começou a mudar com a chegada de David Stern ao posto de Vice-Presidente de Basquete, durante a gestão do mandatário Larry O’Brien.
Stern teve seu primeiro contato com a NBA quando havia acabado de se formar em Direito. Na ocasião, ele trabalhava para um famoso escritório de advocacia que defendia a NBA contra os processos movidos por atletas da liga.
Em sua primeira atuação, ele defendeu a entidade em um processo movido por Oscar Robertson, um famoso jogador dos anos 60, que buscava se desfiliar do time de basquete em que estava inscrito.
Na época, Stern teve a ideia de aceitar o pedido do jogador, e convenceu os dirigentes da NBA de que deixar o jogador se desvincular do time de basquete, no movimento que hoje é conhecido como deixar o jogador livre, era uma alternativa interessante para a liga.
Segundo sua ideia, a possível saída do jogador, naquilo que hoje se conhece como agente livre, seria um incentivo à liga, podendo trazer maior competitividade aos times, e maior compromisso por parte dos jogadores.
A ideia deu certo, e a política do agente livre se mantém até hoje.
Desde suas primeiras relações com os jogadores da NBA, Stern deixou bem claro que a liga e os jogadores deveriam ser parceiros, de forma que ao final do espetáculo, todos sairiam ganhando.
O PLANO
Após 12 anos trabalhando neste mesmo escritório, Stern começou a trabalhar para a NBA em 1978, quando foi contratado como consultor geral, mas somente em 1980, quando se tronou Vice-presidente executivo, é que ele teve certa autonomia para mudar a liga de vez. Essa autonomia fez com que ele fosse nomeado comissário da liga em 1984.
Curiosamente, Stern se tornou comissário no mesmo ano em que Michael Jordan começou a jogar pela liga.
Constatando que havia um enorme descaso com a liga tanto por parte dos comandantes, como por parte dos jogadores e times, Stern pensou em como tornar a liga mais atrativa para os espectadores, mais competitiva e interessante para os jogadores, e mais lucrativa para os donos de times, e para a própria liga.
Nesse sentido, a primeira medida foi estudar uma espécie de padronização para a Liga.
A começar pelos jogadores.
Enquanto a maioria dos jogadores estava envolvida com drogas e até mesmo associada ao tráfico, Stern implementou um rigoroso controle antidrogas. Os jogadores deveriam passar por testes de droga regularmente, e caso o teste apontasse positivo, o jogador seria suspenso e não poderia participar dos jogos da liga.
Além da droga ser um problema comportamental para os atletas, em alguns casos, o jogador poderia ter o desempenho impulsionado pelo uso de algumas das substâncias ilegais, e desde então ilícitas para a Liga.
A medida foi efetiva desde o início, barrando até mesmo um dos grandes astros da época: Bernard King, jogador do New York Knicks.
Ainda a respeito da conduta dos jogadores, a Liga pouco a pouco foi criando novas determinações a respeito das obrigações dos jogadores para com a NBA.
Até mesmo um código de vestimenta foi introduzido com o passar dos anos, fato que irritou muitos jogadores, que acusaram à liga de discriminação. Porém, o objetivo, era simplesmente criar uma espécie de uniformidade entre os jogadores, do início ao fim do espetáculo.
No campo financeiro, a NBA limitou o pagamento dos salários dos jogadores, com o objetivo de manter a competitividade entre os times da liga e também para ajudar no controle das finanças das franquias. Na ocasião, 18 das 23 equipes estavam em sérias dificuldades financeiras. Várias franquias tinham dificuldades financeiras recorrentes, fruto principalmente de gastos desmedidos ou irresponsáveis.
No campo burocrático, uma série de padronizações foi implementada, com novos regulamentos e uma série de exigências para os times. A ideia fundamental era que todos os times da liga, e também seus jogadores, se enquadrassem em um padrão rígido que transformaria o campeonato em algo mais sério e profissional.
Apesar das novas regras mais duras, Stern valorizou também os jogadores da liga. Após conversas com os jogadores e seus líderes, o novo comissário prometeu que o comprometimento dos atletas para com a Liga seria recompensado.
“Meu objetivo é que vocês sejam muito bem pagos. Para isso vocês só precisam ser vistos. Hoje em dia não são mas vamos mudar esse quadro”….
Com essas alterações, houve também a criação de uma espécie de empacotamento da liga, para que ela pudesse ser comercializada para as emissoras de televisão.
Além de organizar os times e endurecer as regras, Stern tornou a NBA um produto vendável para a entrada de novos patrocinadores, e para a exploração comercial dos jogadores e da própria liga em si. Desenvolvendo uma imagem de que de fato, a NBA era um produto sério, assim como todos aqueles que nela estavam envolvidos.
Para tanto, ele criou um departamento de marketing para a liga, que contou com a contratação de mais de 50 profissionais, em apenas dois anos.
Este pessoal foi distribuído em áreas estratégicas de inteligência de mercado, time comercial, métricas, relacionamento com patrocinadores e marketing direto.
Essa nova estrutura visava aumentar o valor percebido da NBA e foi importante para que a empresa encontrasse novas fontes de renda.
MAGIC x BIRD
Rapidamente, a NBA conseguiu explorar a rivalidade entre os jogadores Magic Johnson, do Los Angeles Lakers, e Larry Bird, do Boston Celtics.
Uma rivalidade que vinha desde as competições universitárias, e colocava em lados opostos dois jogadores antagônicos. De um lado, Bird, um atleta branco, tímido, que jogava por um time da conferência Leste, que representava os estados provenientes das 13 colônias originais dos EUA; Do outro lado, Johnson, um atleta negro, carismático, midiático e que representava a outra conferência, a oeste, que tinha os demais estados americanos, como a California.
A rivalidade fazia com que os espectadores criassem diferentes tipos de laços com os jogadores. Se hoje existem jovens que brigam pela rivalidade entre Messi e Cristiano Ronaldo, no futebol; na época, eram os dois astros que movimentavam as discussões dos amantes do basquete.
Essa dualidade fez com que a liga tivesse seus primeiros grandes chamarizes. Abrindo as portas para que os ídolos do basquete fizessem parte do imaginário dos norte-americanos.
Aumentando o valor da Liga com novas regras, uma rivalidade forte e um novo produto a ser vendido, Stern fez com que a NBA fechasse ano a ano novos contratos, com valores cada vez mais expressivos.
Dessa forma, ele conseguiu convencer as emissoras norte-americanas a transmitirem em tempo real as partidas. Até então, uma raridade conferida somente para o beisebol e o futebol americano.
Além disso, Stern argumentava que a preparação para as transmissões era igualmente importante. E que a televisão deveria usar os melhores momentos de cada partida como uma espécie de anúncio para as partidas seguintes. Para ele, quando um telespectador assistia a um lance bonito de uma partida anterior, ele poderia ter o interesse em assistir a partida seguinte, em tempo real, naquela emissora.
Somado às inserções pontuais na programação, com os melhores momentos. Stern e sua equipe criaram o programa NBA Action, um programa que era especializado em passar os melhores momentos das partidas da liga.
HIGHLIGHTS
Para ele, cada lance importante de uma partida, um highlight, era importante. A ideia era: highlight é marketing.
“Melhores momentos são marketing. As pessoas começam a conhecer o nosso produto assim. Depois elas assistem às partidas”…
A campanha deu certo, e fez com que a audiência dos jogos da NBA aumentasse ano após ano.
Reunidas, as modificações, dentro e fora do jogo, fizeram com que os direitos de transmissão da NBA fossem vendidos para redes tradicionais dos EUA, como CBS, e depois para a NBC. Recentemente os direitos foram vendidos para a TNT e a ABC.
Além disso, Stern e sua equipe criaram dois slogans para a NBA ao longo dos anos:
‘’ It’s Fantastic!’’ (isso é fantástico) e’’ I love this game’ (eu amo esse jogo).
Tornando o basquete e a NBA novamente atrativos para o público americano, e aumentando os índices de audiência e os valores de arrecadação com direitos de transmissão dos jogos da liga, Stern decidiu ir mais além e romper uma barreira que até então não havia sido rompida por nenhum esporte estadunidense. A internacionalização do esporte.
O magnata acreditava que o basquete apesar de não ser o esporte mais popular entre os americanos, tinha uma enorme aceitação em todo o mundo, principalmente por ter menos regras e por já ser um esporte aceito em na América Latina, na Europa e em alguns países da Ásia.
Vislumbrando os estrangeiros como possíveis consumidores da NBA, Stern decidiu tentar popularizar a NBA em todo o mundo, e para isso arquitetou um projeto ambicioso e aparentemente arriscado.
Com a consolidação do produto oferecido pela NBA, com times competitivos, jogadores idolatrados pelo público e uma série de padronizações dentro do espetáculo; o pacote televisivo poderia ser bastante interessante para qualquer emissora internacional, mas ainda assim, havia o risco de uma rejeição por parte do público local em relação ao basquete.
Pensando a longo prazo, Stern decidiu minimizar os riscos das empresas que aderissem ao projeto de expansão internacional da liga, e vendeu os direitos de exibição a preços absolutamente irrisórios.
Para a televisão argentina, por exemplo, o primeiro contrato entre a NBA e uma emissora local foi de apenas 2 mil dólares anuais.
Curiosamente, os primeiros jogos exibidos no país portenho influenciaram Manu Ginobli e Luis Scola, dois jogadores argentinos que anos depois brilhariam nas quadras da NBA.
No Brasil, houve uma parceria nos mesmos moldes, e os primeiros jogos da liga que foram transmitidos no Brasil no final da década de 80, e no início da década de 90, contaram com a transmissão da Band em TV aberta, com narração do lendário Luciano do Vale.
A estratégia predatória deu certo, e ao longo dos anos posteriores o valor foi aumentando cada vez mais, e a NBA se tornou um produto internacional, e a referência mundial no esporte. Sendo o primeiro esporte americano a desbravar o mercado internacional.
A título de comparação, somente nos últimos anos a NFL, liga de futebol americano, vem conseguindo aumentar sua fatia no mercado internacional. Enquanto o beisebol se limita ao mercado local e alguns poucos mercados entusiastas.
Para completar a estrutura de sucesso, a NBA não apenas teve seu valor de marca aumentado, o que significava maior visibilidade e dinheiro para a liga e seus associados, como também aumentou suas fontes de renda.
Além dos ingressos, cada vez mais caros, e dos direitos de transmissão, a cada contrato sendo mais valorizados; a NBA também passou a licenciar sua marca para a fabricação dos mais diferentes produtos, como roupas, acessórios, calçados, brinquedos, e até itens para decoração.
Esse incremento fez com que os jogadores também recebessem um enorme incentivo, tanto no salário, como em novas fontes de renda, já que podiam fechar contratos publicitários interessantes com marcas de material esportivo, e até mesmo se associarem a empresas tradicionais em ações de marketing e comerciais.
O DREAM TEAM
Para coroar a vitória da NBA como um esporte global, David Stern atuou para que os Estados Unidos reunissem seus melhores jogadores para a disputa da Olimpíada de Barcelona, em 1992.
Reunindo grandes craques da época como Magic Johnson, Larry Bird, Karl Malone e o então melhor do mundo, Michael Jordan; Stern convenceu os jogadores a atuarem pelo país nas Olímpiadas, formando o ‘’Dream Team’’, o time dos sonhos do basquete americano.
O time deu uma verdadeira aula nas quadras espanholas, e mostrou ao mundo a força do basquete americano, e parte do espetáculo que era produzido dentro da NBA. A ideia da montagem do time é considerada até hoje a maior jogada de marketing da história do esporte.
A ideia de montar o Dream Team abriu as portas do basquete americano para o mundo todo, transformou os jogadores americanos em celebridades e deu projeção para aquele que é considerado o maior jogador de todos os tempos, Michael Jordan.
Jordan foi a personificação do poder da liga nos anos 90. Além de ser a grande estrela da NBA, ele também foi responsável por divulgar e impulsionar diversas marcas, ao lado da própria liga.
Com seu rosto, a NBA conseguiu chegar também a novos mercados, como o mercado infantil, com a produção do filme Space Jam, que foi um enorme sucesso e ajudou a apresentar o basquete para crianças e jovens de todo o mundo.
Inovador e Visionário, David Stern ajudou a transformar o basquete em um fenômeno mundial, mesmo sem nunca ter arremessado uma bola em um jogo oficial.
Antes de assumir, a liga contava com 23 equipes e um faturamento de 118 milhões de dólares.
30 anos depois, a liga atingiu 30 equipes e um faturamento de 4,8 bilhões de dólares.
Para se ter ideia do crescimento do esporte como um todo, em 1984, Jerry Reinsforf comprou o time Chicago Bulls por 16 milhões de dólares. Já em 2014, o bilionário magnata da Microsoft, Steve Ballmer, comprou o time Los Angeles Clippers, um dos times mais modestos da liga, por cerca de 2 bilhões de dólares.
A promessa feita aos atletas também foi cumprida. Assim como a liga enriqueceu, os jogadores passaram a ter salários maiores.
No início da gestão de Stern, o salário médio anual dos jogadores era de 250 mil dólares. Atualmente há diversos atletas que recebem cifras médias de 40 milhões de dólares por ano.
Além do sucesso financeiro, a NBA também se tornou um esporte global. Antes de Stern a liga contava praticamente somente com jogadores americanos. Hoje, a liga conta com jogadores de diversas nacionalidades, e durante quatro anos, o jogador eleito como de maior valor da liga, era estrangeiro.
Stern também ajudou a enfrentar e quebrar preconceitos.
Quando Magic Johnson, então um dos maiores jogadores da liga, assumiu ao mundo que era portador do vírus HIV, em 1991, auge do preconceito contra a doença, Stern esteve ao lado do jogador durante o anúncio oficial, e também bancou a presença do jogador na liga.
Curiosamente, após essa atitude, Johnson foi eleito o melhor jogador da liga em 92, e também participou do Dream Team, antes de se aposentar, um ano após o anúncio. Segundo ele, Stern lhe salvou a vida.
Stern também criou a WNBA, a liga profissional de basquete feminino, nos moldes da NBA, porém com menos resultado financeiro e midiático.
Ao longo dos anos, Stern não escapou ileso de polêmicas, mas o seu legado ficou consolidado e ele se tornou literalmente um dos nomes mais importantes da história do esporte.
David Stern se aposentou da NBA em 1° de fevereiro de 2014 e passou o comando para seu o comissário da liga, Adam Silver.
Infelizmente, Stern nos deixou no dia 1º de janeiro de 2020, mas graças ao seu legado, sua figura permanecerá viva para sempre através do basquete.
Fontes de Apoio:
https://balanacesta.blogosfera.uol.com.br/2020/01/02/stern
https://veja.abril.com.br/esporte/morre-david-stern-visionario-que-fez-da-nba-uma-potencia-mundial/
Facebook Comments